EB30-N-20.002

Brasão das Armas Nacionais da República Federativa do Brasil

MINISTÉRIO DA DEFESA
EXÉRCITO BRASILEIRO
SECRETARIA-GERAL DO EXÉRCITO

Brasão das Armas Nacionais da República Federativa do Brasil

Portaria n° 325-DGP, de 23 de dezembro de 2019


O CHEFE DO DEPARTAMENTO-GERAL DO PESSOAL, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 13 do Regimento Interno e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Comando do Exército (EB10-RI-09.001), aprovado pela Portaria do Comandante do Exército nº 127, de 21 de fevereiro de 2017, pela alínea "e", do inciso I, do art. 4º do Regulamento do Departamento-Geral do Pessoal (EB10-R-02.001), aprovado pela Portaria nº 155, de 29 de fevereiro de 2016, do Comandante do Exército e o art. 5º, Parágrafo único, das Instruções Gerais para as Publicações Padronizadas do Exército (EB10-IG-01.002), aprovadas pela Portaria nº 770, de 7 de dezembro de 2011, e de acordo com o que propõe o Departamento-Geral do Pessoal, ouvidos o Estado-Maior do Exército, o Departamento de Educação e Cultura do Exército e o Comando de Operações Terrestres, resolve:

Art. 1º Fica aprovada as Normas para Procedimento Assistencial em Rabdomiólise no Âmbito do Exército (EB30-N-20.002).

Art. 2º Fica revogada a Portaria do Departamento-Geral do Pessoal nº 092, de 2 de julho de 2012 (EB30-N-20.001).

Art. 3º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

ÍNDICE DOS ASSUNTOS

Art.
CAPÍTULO I - DA FINALIDADE..........................
CAPÍTULO II - DA DEFINIÇÃO..........................2°/6°
CAPÍTULO III - DA ETIOLOGIA..........................7°/8°
CAPÍTULO IV - DA FISIOPATOLOGIA..........................9°/15
CAPÍTULO V - DA FISIOPATOLOGIA DAS COMPLICAÇÕES DA RABDOMIÓLISE..........................16/23
CAPÍTULO VI - DO DIAGNÓSTICO DA RABDOMIÓLISE..........................24
Seção I - Da Uranálise..........................25
Seção II - Da Bioquímica..........................26
Seção III - Dos Exames Complementares ou de Interesse..........................27
CAPÍTULO VII - DO PROTOCOLO ASSISTENCIAL DA RABDOMIÓLISE..........................28
Seção I - Das Medidas Preventivas..........................29
Seção II - Dos Cuidados Pré-Hospitalares..........................30/33
Seção III - Das Medidas Terapêuticas e Protocolos de Atendimento..........................34/35
Seção IV - Do Tratamento das Complicações Eletrolíticas da Rabdomiólise..........................36/39
Seção V - Da Prevenção e do Tratamento da Lesão Renal Aguda..........................40/43
Seção VI - Do Tratamento da Síndrome Compartimental..........................44
Seção VII - Da Diminuição dos Efeitos Nefrotóxicos da Mioglobina..........................45/52
Seção VIII - Dos Cuidados Hospitalares..........................53/63
Seção IX - Dos Critério de Admissão em Unidade de Tratamento Intensivo..........................64
ANEXO A - FLUXOGRAMA DE ATENDIMENTO E EVACUAÇÃO
ANEXO B - FLUXOGRAMA PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
ANEXO C - FLUXOGRAMA PARA O TRATAMENTO DA ALTERAÇÕES SENSORIAIS
ANEXO D - FLUXOGRAMA PARA O TRATAMENTO DA IRA KDIGO1
ANEXO E - FLUXOGRAMA PARA O TRATAMENTO DA IRA KDIGO2
BIBLIOGRAFIA

CAPÍTULO I

DA FINALIDADE

Art. 1º As presentes normas têm as seguintes finalidades:

I - definir e regular o procedimento assistencial em casos de rabdomiólise no âmbito do Exército Brasileiro (EB), apresentando a sua definição, etiologia, fisiopatologia e os procedimentos para o diagnóstico e o tratamento dessa síndrome, de modo a atualizar e orientar procedimentos no âmbito do Serviço de Saúde, bem como disponibilizar aos gestores estratégicos, operacionais e táticos informações consolidadas sobre a conduta a ser adotada nos casos de suspeita de rabdomiólise;

II - prover dados epidemiológicos que sejam relevantes sobre saúde dos militares do EB à Diretoria de Saúde (DSau) e ao Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEx), este último por meio do Instituto de Pesquisa da Capacitação Física do Exército (IPCFEx), a fim de permitir que medidas preventivas/corretivas sejam adotadas; e

III - zelar pela saúde geral dos militares integrantes do EB.

CAPÍTULO II

DA DEFINIÇÃO

Art. 2º A rabdomiólise é uma síndrome clínico-laboratorial que envolve a rápida dissolução do músculo esquelético lesionado ou ferido (miólise), podendo desenvolver-se em qualquer circunstância onde a demanda por energia nos músculos excede o suprimento energético disponível. É uma síndrome clínica e bioquímica que resulta da necrose aguda das fibras musculares esqueléticas e o consequente extravasamento de constituintes musculares para a circulação sanguínea. A quebra da integridade do músculo esquelético leva à liberação direta na corrente sanguínea e no espaço extracelular de componentes musculares intracelulares, incluindo miofibras, purinas, mioglobina, creatina quinase (CK), aldolase e lactato desidrogenase (LDH), assim como eletrólitos.

Art. 3º A rabdomiólise varia desde uma doença assintomática com elevação do nível de CK até uma condição com risco de morte associada a elevações extremas da CK e LDH, desequilíbrios hidroeletrolíticos, arritmias cardíacas, insuficiência renal aguda (IRA) e coagulação intravascular disseminada.

Art. 4º A necrose maciça, que se manifesta como fraqueza nos membros, mialgia, inchaço e pigmentação macroscópica comum sem hematúria, é o denominador comum da rabdomiólise traumática e não-traumática, que pode se desenvolver ao longo de horas, até vários dias.

Art. 5º Apresentação clássica da rabdomiólise:

I - mialgia em intensidades variáveis;

II - mioglobinúria (evidenciada clinicamente pelo escurecimento da urina);

III - elevações nos níveis séricos das enzimas musculares;

IV - IRA; e

V - desequilíbrio eletrolítico.

Art. 6º A apresentação clínica é frequentemente sutil e pode ser enganosa, a chamada "tríade clínica clássica" (dor, fraqueza muscular e excreção de urina de cor escura) é observada em menos de 10% dos pacientes e mais de 50% não se queixam de dor ou fraqueza muscular, sendo a coloração da urina o sintoma inicial presente.

CAPÍTULO III

DA ETIOLOGIA

Art. 7º As causas mais frequentes da rabdomiólise são a lesão traumática direta e o exercício físico prolongado extenuante, realizado, muitas vezes, em condições climáticas desfavoráveis. No entanto, ela pode ser o resultado de compressão muscular, distúrbios hereditários do metabolismo muscular, uso de medicamentos, álcool ou drogas ilícitas e miotóxicas, doenças musculares, miopatias inflamatórias idiopáticas, miopatias metabólicas, miosite viral, distrofias, miopatia mitocondrial e miopatia sarcoide, convulsões, toxinas, infecções, isquemia muscular, distúrbios eletrolíticos e metabólicos, distúrbios genéticos, choque elétrico, queimaduras, acidentes com animais peçonhentos, imobilização, repouso prolongado em cama, exposição ao calor ou frio e estados induzidos pela temperatura, como síndrome neuroléptica maligna (SMN) e hipertermia maligna (HM), e síndrome da imunodeficiência adquirida (HIV / AIDS).

Art. 8º As principais causas de rabdomiólise por mecanismo são:

I - maior demanda de energia: exercício (especialmente exercício extenuante), insolação, psicose aguda, convulsões, status epilepticus, status dystonicus, status asthmaticus, delirium tremens;

II - diminuição da produção de energia: distrofias, deficiências enzimáticas metabólicas, transtornos da função mitocondrial, hipocalemia, hipofosfatemia;

III - lesão muscular direta: lesão por esmagamento (trauma), lesão elétrica, queimaduras de 3º grau, miopatia inflamatória, deficiência de enzimas dos metabolismos dos glicídios, lipídeos ou nucleosídeos, extremos de temperatura (hiper/hipotermia), hiper/hiponatremia;

IV - diminuição da oferta de oxigênio: trombo arterial, embolia, imobilização prolongada decorrente de queda do estado de consciência, intervenções cirúrgicas ou patologias ortopédicas, trauma, choque, traço falciforme;

V - infecções: virais (p.ex. vírus Influenza A e B), bacterianas (p.ex. Legionellae, Streptococus, Salmonella e Francisella Tularensis), parasitárias e fúngicas;

VI - anormalidades endócrinas: cetoacidose diabética, estado hiperosmolar não cetótico, Doença de Addison, hiperaldosteronismo, hipo/hipertireoidismo, drogas e medicamentos: abuso de substâncias (metilenodioximetanfetamina, anfetamina, heroína, metadona, cocaína, fenilciclohexilpiperidina, dietilamida do ácido lisérgico), álcool, etilenoglicol, drogas sedativas/hipnóticas (barbitúricos, benzodiazepínicos), anestésicos (hipertermia maligna), estatinas, fibratos, neurolépticos, anabólicos e corticosteroides, Anfotericina B, antimaláricos, colchicina, depressores do Sistema Nervoso Central, diuréticos e laxantes;

VII - toxinas: monóxido de carbono, venenos de cobra, aranha, abelha, vespa e carne de codorniz; e

VIII - genéticas: distúrbios do metabolismo de glicogênio, deficiência de fosforilase muscular, deficiência de fosfofrutoquinase, deficiência de lactato desidrogenase muscular (OMIM # 612933), deficiência de fosforilase b quinase muscular, deficiência de fosfoglicerato quinase (OMIM # 300653), deficiência de fosfato de mutase, deficiência de fosfoglucomutase, distúrbios da oxidação de ácidos graxos associados à rabdomiólise, deficiência de carnitina palmitoiltransferase II (CPTII), distúrbios de oxidação de ácidos graxos, miopatias mitocondriais associadas à rabdomiólise, miopatias estruturais, distrofinopatia, LGMD2I, disferlinopatia, miopatia de Ano-5, sarcoglicopatia, FHSD, canalopatias, Lipin-1, Doença falciforme, "Rabdomiólise Exercional Benigna".

CAPÍTULO IV

DA FISIOPATOLOGIA

Art. 9º Existem muitas causas para a rabdomiólise, mas elas parecem levar a uma característica comum final, que é a quebra do tecido muscular, a destruição do miócito e a distribuição de seus componentes no sistema circulatório. Apesar de etiologicamente não estar muito claro como diferentes eventos levam à lesão muscular e à necrose, existe um consenso acerca do quadro dos eventos finais comuns compartilhados pelas diversas etiologias da rabdomiólise. Independentemente do evento inicial, as etapas finais que levam à rabdomiólise envolvem lesão direta do miócito ou falha no suprimento de energia dentro das células musculares.

Art. 10. No miócito normal, um nível baixo de cálcio é mantido pela Bomba Ca2+ ATPase (cálcio intracelular concentrador no retículo sarcoplasmático e mitocôndrias) e um canal iônico trocador de Na+ e Ca2+, o qual é alimentado pelo influxo de Na+ , devido ao gradiente criado pelo Bomba Na+ /K + ATPase. Todos esses mecanismos dependem, direta ou indiretamente, da adenosina trifosfato (ATP) como fonte de energia.

Art. 11. Em condições normais, os canais iônicos localizados na membrana plasmática (incluindo bombas Na+ /K+ e Na+ /Ca2+) mantêm baixas concentrações intracelulares de Na+ e Ca2+ e altas concentrações de K+ dentro da fibra muscular. A despolarização muscular resulta em um influxo de Ca2+ das reservas armazenadas no retículo sarcoplasmático para o citoplasma (sarcoplasma), fazendo com que as células musculares se contraiam através da reticulação actina-miosina. Como esses processos dependem da disponibilidade de energia suficiente na forma de ATP, todo o evento que danifique os canais iônicos por lesão miocítica direta ou que reduza a disponibilidade de ATP para energia, causará uma ruptura no equilíbrio adequado das concentrações de eletrólitos intracelulares.

Art. 12. Caso ocorra lesão muscular ou depleção de ATP, o resultado é um influxo intracelular excessivo de Na+ e Ca2+ . Nesse caso, um aumento de Na+ intracelular atrairá água para a célula e perturbará a integridade do espaço intracelular. Concomitantemente, os altos níveis prolongados de Ca2+ intracelular levarão a uma contração miofibrilar sustentada que depletará ainda mais o ATP. Por conseguinte, a elevação do Ca2+ ativará proteases e fosfolipases dependentes de Ca2+, o que ocasionará a lise da membrana celular e danos adicionais aos canais iônicos. À medida que a célula se decompõe, grandes quantidades de potássio, aldolase, fosfato, mioglobina, CK, lactato desidrogenase (LDH), aspartato transferase (AST) e urato vazam para a circulação. O resultado final será uma cascata inflamatória auto-sustentada que causará necrose das fibras musculares e liberará o conteúdo muscular no espaço extracelular e na corrente sanguínea.

Art. 13. O principal mecanismo de lesão muscular, traumática ou não-traumática, está associado ao processo de reperfusão. O restabelecimento da perfusão sanguínea para o tecido lesado condiciona a migração de leucócitos e a disponibilidade de oxigênio necessário para a produção de radicais livres, estabelecendo reações inflamatórias miolíticas, que levam à perda da integridade celular, com a liberação de toxinas intracelulares para a circulação sistêmica.

Art. 14. O edema muscular produzido e o aumento progressivo das pressões intracompartimentais, onde se localizam os músculos estriados, causam lesão e necrose muscular adicionais, caracterizando a Síndrome Compartimental.

Art. 15. Os militares de saúde devem saber que o aparecimento de hipercalemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia, mioglobinemia, mioglobinúria e elevação da CK, lactato desidrogenase (LDH) e transaminase glutâmico-oxalacética (TGO) evidenciam destruição muscular. A evolução para insuficiência renal aguda (IRA) depende de uma associação de mioglobinúria e hipovolemia e/ou hipoperfusão renal.

CAPÍTULO V

DA FISIOPATOLOGIA DAS COMPLICAÇÕES DA RABDOMIÓLISE

Art. 16. A depleção de volume é causada pelo terceiro espaçamento do líquido intravascular (um influxo no tecido muscular, causado por anormalidades eletrolíticas celulares). Alternativamente, isso pode ser causado por lesão por esmagamento, devido a sangramentos externos e internos. Este processo facilita a depleção de ATP disponível, criando um círculo vicioso, resultando em mais danos, hipovolemia e, posteriormente, choque hipovolêmico. A hipovolemia na rabdomiólise extensa é comparável à ocorrida em pacientes com hemorragia vascular importante ou com queimaduras extensas (> 60% da superfície do corpo). É resultante da saída de fluidos da circulação sanguínea para os compartimentos musculares afetados pela necrose muscular e pela inflamação no local de lesão.

Art. 17. Alterações eletrolíticas estão frequentemente associadas à rabdomiólise, principalmente a hipercalemia, a hipercalcemia, a hiperfosfatemia e a hiperuricemia. A hipercalemia decorre da liberação de potássio intracelular e consequente excreção renal. A hipocalcemia está associada ao acúmulo de cálcio pelos músculos necrosados, por vezes com calcificação. Os baixos níveis séricos de cálcio provocam arritmia e convulsão. A hipercalcemia tardia tem sido descrita em alguns casos de IRA mioglobinúrica. Durante o período de recuperação, o cálcio acumulado é liberado pelos músculos lesados. A hiperfosfatemia decorre da liberação de fosfato pelo músculo e do seu acúmulo após o estabelecimento da insuficiência renal. A hiperuricemia decorre da metabolização hepática dos nucleosídeos liberados pelos miócitos, provocando acidose metabólica e formação de cilindros tubulares nos rins.

Art. 18. A acidose é causada principalmente pela depleção de oxigênio dos tecidos envolvidos, resultando em acidose láctica. No entanto, a lesão renal, provavelmente, fará avançar rapidamente a situação. Outro mecanismo é o uso não monitorado de diuréticos de alça. A acidose também pode ser causada direta ou secundariamente por muitos dos medicamentos que causam rabdomiólise, como mencionado anteriormente.

Art. 19. Arritmias podem ocorrer devido a anormalidades eletrolíticas, principalmente hipercalemia e hipocalcemia. Uma vez que ambas as anormalidades, assim como outras descritas, podem se apresentar precocemente na patogênese envolvendo rabdomiólise, especialmente a hipocalcemia da fase inicial, o monitoramento e a intervenção precoce são indicados para prevenir arritmias e parada cardíaca.

Art. 20. A lesão renal aguda (LRA) é muito comum entre os pacientes com rabdomiólise, embora, por vezes, apresente-se apenas alguns dias após o impacto inicial. Cerca de um terço à metade dos pacientes com rabdomiólise poderão desenvolver LRA. Os mecanismos são diversos e não totalmente compreendidos. Em primeiro lugar, a mioglobina tem um efeito nefrotóxico direto devido à sua atividade como enzima semelhante à peroxidase, causando oxidação descontrolada de biomoléculas, peroxidação lipídica e geração de isoprostanos. O efeito nefrotóxico, como dano celular, é causado também pela conversão desequilibrada do óxido ferroso (Fe 2+) do grupo heme em óxido férrico (Fe3+), gerando radicais hidroxila. Em segundo lugar, a vasoconstrição renal é causada por renina-angiotensina, vasopressina e inervação simpática, ativada devido à depleção do volume intravascular. Outros fatores inflamatórios, como endotelina-1, tromboxane A2 e TNF-α, e a depleção de óxido nítrico também contribuem para a vasoconstrição renal. Em terceiro lugar, a mioglobina, interagindo com a proteína Tamm-Horsfall, cria moldes (mais vigorosamente em um ambiente ácido), obstruindo os tubulus, juntamente com as células destruídas da necrose tubular.

Art. 21. A IRA mioglobinúrica também é muito comum entre os pacientes com rabdomiólise e apresenta os seguintes mecanismos fisiopatológicos básicos: vasoconstrição renal, formação de cilindros intraluminais e citotoxicidade direta da mioglobina. Nesse caso, a elevação da creatinina plasmática é mais rápida e de maior magnitude, quando comparada com outros tipos de IRA. Os fatores preditivos de IRA na rabdomiólise são: creatinina elevada; potássio e fosfato séricos elevados; baixo nível de albumina; presença de desidratação, inicialmente e septicemia (complicação).

Art. 22. A Síndrome Compartimental é causada pelos mesmos fatores que a depleção de volume, definida como aumento da pressão intracompartimental, causando privação de oxigênio do músculo. A síndrome apresenta dor muscular (ocasionalmente fora da proporção da lesão observada), fraqueza, parestesia ou hipoestesia, palidez e rigidez dos músculos afetados. É uma cascata de eventos que se autoperpetua. Começa com o edema do tecido que normalmente ocorre após a lesão (p. ex., por edema ou hematoma de partes moles). Se o edema ocorre dentro do compartimento fascial, normalmente, no compartimento anterior ou posterior da perna, há pouco espaço para expansão do tecido; dessa maneira, a pressão intersticial (compartimental) aumenta. À medida que a pressão compartimental excede a pressão capilar normal de cerca de 8 mmHg, a perfusão celular desacelera e com o tempo pode parar. A isquemia tecidual resultante, posteriormente, piora o edema, e isso gera um círculo vicioso.

§ 1º Conforme a isquemia progride, os músculos tornam-se necrosados, o que leva, às vezes, à rabdomiólise, infecções e hipercalemia, ameaçando a perda do membro e podendo levar ao óbito, caso não seja tratada. Hipotensão ou insuficiência arterial podem comprometer a perfusão tecidual, mesmo com pressão compartimental levemente elevada, causando ou piorando a Síndrome Compartimental. Podem aparecer contraturas depois da cicatrização dos tecidos necrosados. Nesse sentido, o diagnóstico deve ser feito e o tratamento começado, antes da palidez, ou que a falta de pulso se desenvolva, indicando necrose.

§ 2º Uma pressão compartimental de mais de 30mmHg, por mais de 8 horas, pode causar necrose muscular, ou pressões maiores por menor tempo podem causar dano neuromuscular permanente, significando futura disfunção dos sistemas musculoesqueléticos, contraturas, postura e distúrbios da marcha.

Art. 23. A coagulação intravascular disseminada (CIVD) pode ser iniciada por componentes liberados de tecido muscular necrótico, pela liberação de tromboplastina pelas fibras musculares lesadas, resultando em complicações hemorrágicas internas difusas.

CAPÍTULO VI

DO DIAGNÓSTICO DA RABDOMIÓLISE

Art. 24. A apresentação clínica da rabdomiólise é frequentemente sutil, sendo necessário um elevado índice de suspeita diagnóstica. São descritos sintomas e sinais musculares como mialgias, hipersensibilidade, fraqueza, rigidez e contraturas musculares e a presença de sintomas constitucionais, como a sensação de mal-estar geral, náuseas, vômitos, febre e palpitações, a diminuição do débito urinário e a alteração da coloração da urina (mais escura, castanho-avermelhada). No entanto, o diagnóstico definitivo de rabdomiólise deve ser realizado por meio de estudos laboratoriais.

Seção I

Da Uranálise

Art. 25. Com a suspeita definida por meio das manifestações clínicas deve-se iniciar o diagnóstico pela análise da urina do paciente, por meio de densitometria, urofita e Elementos Anormais de Sedimentos (EAS), buscando-se os seguintes parâmetros:

I - na densitometria: Identificar os casos de desidratação (densidade > 1.030), já que o quadro de rabdomiólise frequentemente está associado à desidratação do paciente;

II - na urofita deve-se buscar os seguintes parâmetros:

a) sangue na urina. No caso de presença de sangue na urina, é importante lembrar que os testes urinários rápidos não distinguem a mioglobina, hemoglobina ou eritrócitos. O aparecimento de sangue na urofita pode ter origem na mioglobinúria ou na hematúria, desse modo deve-se diferenciar essas condições por meio do EAS;

b) densidade da urina alterada (= 1.030). Por ser qualitativa, a urofita não fornece um diagnóstico específico para a desidratação, uma vez que o valor máximo fornecido pelo teste é 1.030, o que significa que o paciente pode ter um nível maior de desidratação, sem que o teste seja específico; e

c) pH ácido.

III - no EAS deve-se buscar os seguintes parâmetros:

a) coloração escura (embora não específico);

b) mioglobinúria;

c) densidade da urina alterada; e

d) presença de cilindros pigmentados no sedimento urinário.

Seção II

Da Bioquímica

Art. 26. O diagnóstico de rabdomiólise baseia-se, principalmente, no aparecimento de mioglobina na urina (mioglobinúria) ou por uma elevação acentuada nos níveis séricos de CK.

§ 1º Mioglobina sérica: a mioglobina plasmática aumenta rapidamente após a lesão muscular e é eliminada rapidamente através da excreção renal, possuindo uma meia-vida de 6 a 24 horas. Por ter um metabolismo hepático e ser rapidamente excretada pelos rins, seus níveis são pouco previsíveis, o que a torna um marcador de necrose muscular pouco sensível. A mioglobina é uma hemoproteína que funciona como transportadora de oxigênio no músculo esquelético e está normalmente ligada às globulinas plasmáticas. No caso de rabdomiólise, a mioglobina vaza do miócito e imediatamente atinge seu pico em níveis que podem exceder a capacidade de ligação às proteínas plasmáticas. Como resultado, a mioglobina precipita no filtrado glomerular e obstrui os túbulos renais, um fator importante na patogênese da IRA. Outros fatores que contribuem para a IRA incluem vasoconstrição, hipovolemia e um efeito tóxico renal direto da mioglobina.

§ 2º Creatinofosfoquinase sérica: é um marcador sensível, porém inespecífico de rabdomiólise. Com a morte dos miócitos, a enzima é liberada para a circulação sanguínea, podendo atingir concentrações séricas na ordem de 100.000 U/L. Os níveis séricos de CK aumentam de 2 a 12 horas após o início da lesão muscular, atingindo o pico de 3 a 5 dias e diminuindo de 6 a 10 dias após a lesão muscular:

I - diversos autores concordam que a elevação da CK em 5 vezes o limite superior do normal estabelecido pelo método de análise fornece um bom parâmetro para o diagnóstico da rabdomiólise. No entanto, em pacientes que estejam participando de exercícios extenuantes e prolongados, podem ser encontrados níveis entre 5 e 10 vezes o valor máximo predito para o teste, sem que a sintomatologia da rabdomiólise esteja presente, especialmente quando a densidade da urina estiver maior ou igual a 1.036;

II - deve-se notar, também, que pacientes com doenças musculares crônicas, como miopatias inflamatórias e distrofias musculares, podem apresentar níveis de CK bem acima de 5 vezes o limite normal. A presença de sintomas agudos de dor muscular, fraqueza e inchaço diferenciam a rabdomiólise dessas condições; e

III - os níveis séricos de CK tem um metabolismo mais lento e previsível do que a mioglobina sérica. Nesse sentido, dado que nem todos os pacientes com lesão muscular apresentam-se ao Posto Médico dentro das 24 horas iniciais da sintomatologia, a medida dos níveis séricos de CK pode fornecer um indicador mais confiável para rabdomiólise e sua gravidade, do que a mioglobina sérica. As elevações persistentes da CK apontam para lesão muscular continuada, sendo particularmente relevante excluir a presença de Síndrome Compartimental.

Seção III

Dos Exames Complementares ou de Interesse

Art. 27. Os seguintes exames complementares devem ser solicitados: dosagens dos níveis séricos de Aldolase e Anidrase carbônica III LDH, TGO, TGP, potássio (hipercalemia), cálcio (hipercalcemia), fosfato (hiperfosfatemia), ureia (hiperuricemia), creatinina, ácido úrico, prolongamento dos tempos de protrombina e tromboplastina parcial, diminuição das plaquetas e acidose metabólica.

§ 1º Aldolase e Anidrase carbônica IIIH: no contexto de elevação da CK total, confirmam, quando elevadas, a origem muscular esquelética da CK.

§ 2º Níveis séricos de lactato desidrogenase (LDH): a LDH é uma enzima encontrada em quase todos os tecidos do corpo, mas apenas uma pequena quantidade é, em geral, detectada no sangue. Contida dentro das células teciduais, a LDH é liberada na corrente sanguínea quando as células são danificadas ou destruídas. Assim, os níveis séricos de LDH podem ser utilizados como um marcador geral de injúria celular, já que a LDH estará correlacionada ao aumento da CK e da TGO, na maioria dos casos de rabdomiólise por esforço físico.

§ 3º Níveis séricos de transaminases: a transaminase glutâmico-oxalacética (TGO) e a transaminase glutâmico-pirúvica (TGP) são enzimas transaminases ou aminotransferases. A TGO está presente no interior de diversas células do corpo (fígado, miocárdio do coração, músculo esquelético, pâncreas, rins, glóbulos vermelhos), enquanto que a TGP é encontrada quase que unicamente nas células do fígado. Nesse sentido, na maioria dos casos de rabdomiólise (sem complicações hepáticas) é possível encontrar sensíveis aumentos da TGO enquanto que os níveis séricos da TGP permanecem relativamente normais.

§ 4º Níveis séricos de potássio: a liberação de potássio das células musculares durante o exercício normalmente medeia a vasodilatação e um aumento apropriado do fluxo sanguíneo para os músculos. A diminuição da liberação de potássio devido à hipocalemia profunda (potássio sérico <2,5 mEq / L) pode promover o desenvolvimento de rabdomiólise pela diminuição do fluxo sanguíneo para os músculos em resposta ao esforço, limitando assim a disponibilidade de fontes de energia. À medida que a rabdomiólise se desenvolve, o potássio vaza dos miócitos para a corrente sanguínea, causando hipercalemia, o que pode resultar em arritmias cardíacas fatais.

§ 5º Níveis séricos de sódio: A hiponatremia contribui para a disfunção da Na + / Ca2 + - ATPase, o que leva à ativação de proteases e lipases que são responsáveis por mais lise celular. Além disso, a hiponatremia causa falha na regulação do volume celular, levando à lise de células, o que pode estimular a secreção de vasopressina. Assim, a rabdomiólise pode ocorrer durante o desenvolvimento de hiponatremia, ou durante sua correção. Combinada com outras respostas celulares ao exercício, como o aumento do estresse oxidativo e a liberação de citocinas pró-inflamatórias, isso acabará por resultar em morte celular e componentes intracelulares derramando-se no tecido circundante.

§ 6º Níveis séricos de cálcio: a hipocalcemia está associada ao acúmulo de cálcio pelos músculos necrosados, por vezes sob a forma de calcificação ectópica. Os baixos níveis séricos de cálcio, particularmente quando associados à hipercalemia, provocam atividade pró-arrítmica e convulsiva, comprometendo ainda mais a viabilidade funcional e estrutural do tecido muscular. Quando danificado, o tecido muscular enche-se rapidamente com o fluido da corrente sanguínea, incluindo íons de sódio. O edema em si pode levar à destruição das células musculares, mas as células que sobrevivem estão sujeitas a várias rupturas que levam ao aumento dos íons de cálcio intracelular. O acúmulo de cálcio fora do retículo sarcoplasmático leva à contração muscular contínua e à depleção de ATP, o principal portador de energia na célula. Por sua vez, a depleção de ATP pode levar a um influxo descontrolado de cálcio e a contração persistente da célula muscular leva à quebra das proteínas intracelulares e à desintegração do miócito. A hipercalcemia tardia tem sido descrita em alguns casos de LRA mioglobinúrica. O cálcio acumulado é libertado pelos músculos lesados, estando descritos níveis elevados do hormônio da paratireóide (PTH) e Vitamina D durante este período de recuperação, embora estas alterações hormonais não sejam observadas em todos os casos.

§ 7º Níveis séricos de fosfato: a hiperfosfatemia decorre da liberação de fosfato pelo músculo lesado e do seu acúmulo após o estabelecimento da insuficiência renal.

§ 8º Níveis séricos de ureia: o aumento dos níveis séricos de ureia pode ser uma consequência da liberação de nucleosídeos pelos músculos lesados e da sua posterior metabolização hepática em purinas, e pode provocar a acidose metabólica e a formação de cilindros tubulares nos rins.

§ 9º Níveis séricos de creatinina: a rabdomiólise é uma causa importante de IRA mioglobinúrica, que apresenta os seguintes mecanismos fisiopatológicos básicos: vasoconstrição renal, formação de cilindros intraluminais e citotoxicidade direta da mioglobina. Nesse caso, a elevação da creatinina plasmática é mais rápida e de maior magnitude, quando comparada com outros tipos de IRA. É descrito que os fatores preditivos de IRA na rabdomiólise são: creatinina elevada; potássio e fosfato séricos elevados; baixo nível de albumina; presença de desidratação, inicialmente e septicemia (complicação).

§ 10. Níveis séricos de ácido úrico: as células musculares destruídas liberam íons de potássio, íons de fosfato, a proteína mioglobina contendo heme, a CK e o ácido úrico (um produto de degradação das purinas do DNA). A rabdomiólise faz com que a miosina e a actina degenerem em proteínas menores que viajam para o sistema circulatório. O corpo reage aumentando o edema intracelular ao tecido danificado para enviar células de reparo à área. Isso permite que a CK e a mioglobina sejam levadas do tecido onde ele viaja no sangue até atingir os rins. Quando as proteínas atingem os rins, provocam uma tensão nas estruturas anatômicas reduzindo a sua eficácia como filtro para o corpo. A proteína age como uma barragem quando se forma em agregados apertados ao entrar nos túbulos renais. Como resultado, isso faz com que a produção de urina diminua, permitindo que o ácido úrico se acumule no interior do órgão. O aumento da concentração de ácido úrico permite que o ferro da proteína agregada seja liberado para o tecido renal circundante. O ferro, em seguida, retira as ligações moleculares do tecido circundante que, eventualmente, levará à insuficiência renal, se o dano tecidual for muito intenso. À medida que os rins reabsorvem mais água do filtrado, a mioglobina interage com a proteína Tamm-Horsfall no néfron para formar moldes (agregados sólidos) que obstruem o fluxo normal de fluido; a condição é agravada ainda mais pelos altos níveis de ácido úrico e acidificação do filtrado, o que aumenta a formação de elenco. O ferro liberado do heme gera espécies reativas de oxigênio, danificando as células renais. Além da mioglobinúria, dois outros mecanismos contribuem para o comprometimento renal: a pressão arterial baixa leva à constrição dos vasos sanguíneos e, portanto, a uma relativa falta de fluxo sanguíneo para o rim e, finalmente, o ácido úrico pode formar cristais nos túbulos renais, causando obstrução. Juntos, esses processos levam à necrose tubular aguda, a destruição das células dos túbulos. A taxa de filtração glomerular cai e o rim é incapaz de realizar suas funções excretoras normais.

§ 11. Verificação do tempo de protrombina (TP) e do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), os quais podem estar prolongados.

§ 12. Contagem do número de plaquetas, que podem estar diminuídas.

§ 13. Determinação do pH sanguíneo, pelo risco de acidose metabólica.

§ 14. Eletrocardiograma, no caso de hipercalemia.

§ 15. Biópsia muscular, no caso de doenças musculares metabólicas e inflamatórias.

§ 16. Eletromiografia e Ressonância Magnética, na polimiosite.

§ 17. Medida da pressão compartimental: no caso de suspeita de Síndrome Compartimental, deve-se usar um limiar baixo para medir a pressão compartimental (normal < 8 mmHg). O diagnóstico é confirmado se a pressão compartimental exceder 30 mmHg ou estiver a cerca de 30 mmHg da pressão arterial diastólica.

CAPÍTULO VII

DO PROTOCOLO ASSISTENCIAL DA RABDOMIÓLISE

Art. 28. Um protocolo assistencial único para a rabdomiólise é muito difícil de ser estabelecido, devido à diversividade de fatores que causam a leão muscular. Nesse sentido, a adoção de medidas preventivas, pré-hospitalares e terapêuticas, além de focar no tratamento das causas da lesão muscular, deverão procurar evitar a evolução das seguintes complicações conhecidas da rabdomiólise: depleção de volume, alterações eletrolíticas (principalmente a hipercalemia, a hipercalcemia, a hiperfosfatemia e a hiperuricemia), acidose, arritmias, lesão renal aguda, Síndrome Compartimental e coagulação intravascular disseminada.

Seção I

Das Medidas Preventivas

Art. 29. Considerando que grande parte dos casos de rabdomiólise, no âmbito da Força, é causada por atividade muscular excessiva, associada ou não à alteração de temperatura corporal, são consideradas como imprescindíveis as seguintes medidas:

I - estabelecer, no âmbito das Organizações Militares, a realização de palestras sobre rabdomiólise, disseminando conhecimento;

II - obedecer aos parâmetros estabelecidos de temperatura ambiental e de umidade relativa do ar adequados para a prática de atividades físicas e de instrução no âmbito dos aquartelamentos e campos de instrução;

III - estimular a prática do Treinamento Físico Militar (TFM) para adquirir condicionamento adequado;

IV - estabelecer períodos de repouso aos militares, durante atividades físicas ou exercícios militares intensos, particularmente em ambientes insalubres, com altas temperaturas e elevada umidade relativa do ar;

V - estabelecer períodos e orientar sobre a necessidade de hidratação;

VI - ter apoio de saúde, pelo médico da OM ou de equipe de Atendimento Pré-Hospitalar (APH), em atividades de maior intensidade e risco;

VII - estimular o condicionamento físico progressivo em treinamentos para cursos operacionais; e

VIII - respeitar o período necessário para a aclimatação nos diferentes tipos de clima.

Seção II

Dos Cuidados Pré-Hospitalares

Art. 30. A maioria dos casos de rabdomiólise estarão, provavelmente, associados à desidratação. Nesse sentido, assim que possível, deve-se iniciar uma ressuscitação agressiva de fluidos, por meio de cateter de grosso calibre, realizando a infusão de 1,5 L / h de solução salina normal, com o objetivo de manter uma produção de 200 a 300mL / h de urina, combater a hipovolemia e afastar o perigo de LRA.

Art. 31. Em caso de acidentes com lesão por esmagamento, iniciar a reanimação com fluidos precocemente em um membro que possa ser acessado, definitivamente, antes da evacuação para um centro médico (por exemplo, antes da extração do paciente de um veículo, escombros, entulho, etc) ou até 6 horas após a admissão, de modo a reduzir a possibilidade de desenvolvimento da IRA;

Art. 32. Quanto mais tempo a reidratação é retardada, maior será a probabilidade de desenvolvimento da IRA e maior será a probabilidade da necessidade de diálise na continuidade do tratamento; e

Art. 33. Não devem ser utilizados líquidos contendo lactato ou potássio, devido ao risco de hipercalemia relacionada à rabdomiólise, ou à acidose láctica.

Seção III

Das Medidas Terapêuticas e Protocolos de Atendimento

Art. 34. Os principais objetivos da terapêutica são o tratamento das causas específicas de lesão muscular e a prevenção e o tratamento das complicações da rabdomiólise.

Art. 35. Medidas em relação à sintomatologia. De acordo com o nível de consciência observado, deverão ser adotadas as seguintes medidas aos militares com sinais clínicos de exaustão física, mialgia, fraqueza muscular e urina escura:

I - paciente com a consciência preservada: hidratação oral ou endovenosa, repouso, controle da temperatura corporal, retirando a roupa e aplicando compressas umedecidas, se for o caso, e observação durante 3 (três) horas:

a) no caso de recuperação total do militar, o mesmo deverá ser liberado para retornar às suas atividades; e

b) no caso de não ocorrer melhora clínica, deverá ser efetivada apenas a hidratação endovenosa e o militar deverá ser evacuado para um ambiente hospitalar, tendo continuidade da hidratação e realizando os exames laboratoriais necessários.

II - paciente com alteração do nível de consciência: hidratação endovenosa, conforme os fluxogramas dos anexos "A", "B" e "C", repouso, controle da temperatura corporal, retirando a roupa e aplicando compressas umedecidas, se for o caso, e observação durante 3 (três) horas:

a) no caso de recuperação total do militar, o mesmo deverá ser liberado para retornar às suas atividades; e

b) no caso de não ocorrer melhora clínica, deverá ser continuada a hidratação endovenosa e o militar deverá ser evacuado imediatamente para um ambiente hospitalar, utilizando-se da evacuação aeromédica, se for o caso.

Seção IV

Do Tratamento das Complicações Eletrolíticas da Rabdomiólise

Art. 36. Hipercalemia: frequentemente refratária às terapêuticas conservadoras. Se ocorrerem alterações eletrocardiográficas ou arritmias, e na ausência de resposta satisfatória à terapêutica convencional, deve ser considerado o uso de suporte dialítico. É o fator preditivo mais importante para o início de diálise.

Art. 37. Hiperfosfatemia: podem ser administrados quelantes do fósforo nos doentes conscientes.

Art. 38. Hipocalcemia: a administração de suplementos de cálcio deverá ser restringida à hipocalcemia sintomática (crise convulsiva) ou na hipocalcemia grave, pois parece ser um fator contribuinte para a elevação do cálcio sérico, na fase de recuperação.

Art. 39. Hiperuricemia: o alopurinol pode ser utilizado para reduzir a produção de ácido úrico e como captador de radicais livres.

Seção V

Da Prevenção e do Tratamento da Lesão Renal Aguda

Art. 40. Quando há suspeita de rabdomiólise, independentemente da etiologia subjacente, um dos mais importantes objetivos do tratamento é evitar a LRA. Devido ao possível acúmulo de fluidos nos compartimentos musculares e na hipovolemia associada, o controle de fluidos é fundamental para prevenir a azotemia pré-renal, a qual pode ser evitada, principalmente, pela hidratação agressiva conforme os fluxogramas anexos "A", "B" e "C".

Art. 41. Tendo em vista a influência da hipovolemia no desenvolvimento da IRA mioglobinúrica, a hidratação endovenosa agressiva e precoce (pré-nefrotoxicidade) é uma das medidas terapêuticas mais importantes na abordagem da rabdomiólise.

Art. 42. Deve-se buscar atingir uma produção urinária de 200 a 300 ml / h e pH urinário> 6,5, recomendando-se a administração de volumes de até 12 L/dia, na ausência de oligúria, associados a uma diurese alcalina forçada (Manitol).

Art. 43. O Manitol atua como agente osmótico na transferência de fluido para o compartimento intravascular, diminuindo o edema intersticial e o risco de Síndrome Compartimental. Apesar da utilização clínica de Manitol ser controversa, existe evidência experimental do seu efeito protetor contra a IRA mioglobinúrica, sendo descritos os seguintes mecanismos nefroprotetores:

I - é um diurético de ação proximal, facilitando a excreção de proteínas heme e diminuindo a formação de cilindros tubulares;

II - tem propriedades vasodilatadoras renais; e

III - é um captador de radicais livres, diminuindo o stress oxidativo, embora a contribuição desta capacidade antioxidante seja mínima.

Seção VI

Do Tratamento da Síndrome Compartimental

Art. 44. O tratamento inicial é a remoção de qualquer estrutura que possa comprimir a região afetada (por exemplo: gesso ou tala), a correção da hipotensão, a analgesia e a administração de oxigênio suplementar, conforme necessário. Normalmente, a menos que a pressão compartimental caia rapidamente e os sintomas diminuam, é necessário fazer uma fasciotomia de urgência. A fasciotomia deve ser feita através de grandes incisões na pele para abrir todos os compartimentos da fáscia no membro e, assim, aliviar a pressão. Deve-se inspecionar cuidosamente todos os músculos em termos de viabilidade, e qualquer tecido não viável deve ser desbridado. No caso de necrose extensa, deve-se avaliar a amputação.

Seção VII

Da Diminuição dos Efeitos Nefrotóxicos da Mioglobina

Art. 45. A expansão do volume plasmático aumenta a perfusão renal, melhora o filtrado glomerular, aumenta a diurese e contribui para a diluição da mioglobina, diminuindo a formação de cilindros tubulares.

Art.46. A administração de bicarbonato de sódio (NaHCO3) é recomendada com o objetivo de alcalinizar a urina (pH urinário de 6,5), reduzindo o efeito nefrotóxico da mioglobina, obstrução elástica, hipercalemia e peroxidação lipídica. A alcalinização da urina é sustentada pela evidência experimental de nefroproteção, permitindo, ainda, a transferência de potássio sérico para o meio intracelular. Pode agravar a hipocalcemia pré-existente, precipitando atividade convulsiva, particularmente deletérea no contexto de lesão muscular prévia. Está contra-indicada no contexto de oligúria com sobrecarga hídrica associada.

Art. 47. A utilização de diuréticos, como os de alça e os inibidores da anidrase carbônica, pode ocorrer. Os diuréticos de alça têm propriedades vasodilatadoras, aumentando o filtrado glomerular e o fluxo tubular e diminuindo a formação de cilindros de miogobina, no entanto, estão associados à acidificação urinária e apresentam um efeito hipercalciúrico.

Art. 48. A Furosemida é utilizada em alguns esquemas terapêuticos, associada ao Manitol.

Art. 49. A Acetazolamida poderá estar indicada se ocorrer alcalose metabólica, após terapêutica com o bicarbonato, ou se a acidúria persistir com alcalose. Este inibidor da anidrase carbônica III corrige a alcalose metabólica e aumenta o pH urinário.

Art. 50. A Pentoxifilina tem sido utilizada no tratamento da rabdomiólise. Promove o fluxo sanguíneo capilar, diminui a adesão dos neutrófilos e a liberação de citocinas.

Art. 51. Em doentes com rabdomiólise grave ocorre uma diminuição rápida e significativa dos níveis de mioglobina sérica. Esta alteração na cinética da remoção da mioglobina independe da função renal e de quaisquer intervenções terapêuticas, incluindo hemofiltração, hemodiálise e diálise peritoneal.

Art. 52. A hemodiálise e a diálise peritoneal não estão indicadas para a remoção de mioglobina, porém, a primeira apresenta vantagens na rabdomiólise traumática ao permitir a remoção eficiente de potássio, prótons e fosfato, sem o recurso da anticoagulação, e a segunda é uma alternativa a ser considerada na ausência de outras técnicas que permitam a remoção destes solutos acumulados. As indicações para diálise são a IRA estabelecida, hipercalemia e acidose metabólica refratárias ao tratamento conservador.

Seção VIII

Dos Cuidados Hospitalares

Art. 53. Ao iniciar ou continuar a ressuscitação com fluidos, são necessários um histórico completo e um exame físico para identificar e gerenciar a doença subjacente. Sinais vitais, débito urinário, eletrólitos séricos e níveis de CK devem ser monitorados continuamente, usando monitoramento de cuidados intensivos, se necessário.

Art. 54. Um cateter urinário deve ser inserido e a saída de urina deve ser monitorada cuidadosamente.

Art. 55. Em pacientes propensos a problemas cardíacos, devido a doença preexistente, ou em pacientes idosos, pode ser necessária uma monitorização hemodinâmica para evitar a sobrecarga de líquidos.

Art. 56. O principal objetivo do tratamento é obter diurese vigorosa e diluir os produtos tóxicos, usando reidratação venosa agressiva.

Art. 57. Uma infusão de 1,5 L / h de solução salina normal é necessária para a ressuscitação inicial, seguida de 300 a 500mL / h, uma vez que a estabilidade hemodinâmica tenha sido alcançada. A reidratação agressiva é necessária, especialmente quando se trata de lesão por esmagamento, para o tratamento da hipovolemia, administrando tanto soro fisiológico normal, quanto hemoderivados.

Art. 58. Os objetivos definidos são a produção de urina maior que 200mL / h e níveis séricos de CK menores que 1000U / L. Observar que o nível de CK desejado não é concordado por todos os protocolos e que seu nível sérico aumentará apenas 2 a 4 horas após a lesão primária.

Art. 59. Durante o tratamento, os níveis séricos de bicarbonato, cálcio e potássio devem ser monitorados, juntamente com o pH urinário. Se houver desenvolvimento de hipocalcemia sintomática, ou se o pH urinário resistir ao tratamento por mais de 6 horas, a alcalinização deve ser descontinuada. No caso de alcalose metabólica iatrogênica (pH sérico > 7,45), causada por bicarbonato de sódio, a administração de Acetazolamida pode ser útil, pois aumenta a alcalinização da urina.

Art. 60. O objetivo do tratamento é impedir qualquer destruição muscular progressiva. Qualquer toxina, infecção, trauma ou hipertermia deve ser diagnosticada e tratada o mais cedo possível. Medicamentos e toxinas devem ser eliminados, o organismo desintoxicado (p. ex., lavagem gástrica, antídotos e / ou hemodiálise), se possível, e a hipóxia corrigida.

Art. 61. As infecções devem ser tratadas usando-se um regime antimicrobiano de amplo espectro, até serem isoladas e diagnosticadas. Deve-se considerar a erradicação cirúrgica de focos infecciosos (p. ex., drenagem de abscesso, desbridamento de partes moles ou remoção de corpo estranho infectado).

Art. 62. A hipertermia é tratada com medidas externas de resfriamento e benzodiazepínicos para controlar a hiperatividade muscular. Na hipertermia maligna, os anestésicos devem ser descontinuados e o paciente deve ser tratado com dantroleno sódico (dose inicial usual: de 2,5 a 4,0 mg / kg), seguida por uma dose de manutenção (1 mg / kg) a cada quatro horas por até 48 horas, para evitar a recorrência da doença.

Art. 63. O tratamento da rabdomiólise induzida por queimadura apresenta um grande desafio, pois o próprio tratamento da queimadura requer sobrecarga vigorosa de fluidos, dificultando o acréscimo de fluidos para o tratamento específico da rabdomiólise.

Seção IX

Dos Critério de Admissão em Unidade de Tratamento Intensivo

Art.64. Os pacientes admitidos nas Unidades de Emergência das Organizações Militares de Saúde (OMS), ou Organizações Civis de Saúde (OCS) credenciadas, com sinais clínicos e laboratoriais de rabdomiólise, com evolução para IRA, associada ou não a falências de órgãos ou sistemas, devem ser internados em UTI.